sábado, 3 de dezembro de 2011

Beleza

Estava ela ao sol da janela do quarto, em cima da cama, a fazer as unhas. De toalha enrolada ao corpo, produto no cabelo, ela se aquecia a luz do sol da tarde. Era banho de ouro. Muito mais que se aquecer, ela se embelezava. Não com seus "produtos de beleza", por estar fazendo as unhas do pé - para colocar aquela sandália que comprou ontem - se embelezava pois sentia-se um ser único. Um ser que se fazia e se desfazia ao longo dos tempos, ao longo das experiências vividas. Não importa dizer que idade tinha essa mulher. Para todas as idades há uma descoberta de si e uma redescoberta, sempre. Percebeu que ao longo de sua vida, depois de tudo o que passara, sua imagem se construía, se reconstruía, se reconfigurava conforme suas experimentações do mundo. Não assistia ao show de fraudulentas mulheres - com poses em outdoors. Que vendiam apenas uma imagem física, ilusória, enganosa. Nunca ninguém sabe ou busca saber que passou essas mulheres. Ela percebia que realmente se sentia uma mulher de verdade com todas as virtudes e defeitos. Defeitos? Claro, por que não se dar conta de seus defeitos? Sentia-se maravilhosa e fantástica. Não como as outras mulheres rotas que via pelas vitrines, salões de beleza, indo a clinicas de estética, se maltratando em academias, comendo "papel" para emagrecer.

Ela começou a lembrar dos momentos em que ela começou a se perceber. Começou a se atribuir um valor. Não é fácil reconhecer isso. Viu que ela aparecia em sua vida bem pequena. Uma garotinha, como todas as outras, que estava conhecendo os outros e o mundo. Estava na escola e era a hora do intervalo entre aulas. Lembrou-se que sua mãe tinha lhe preparado uma lancheira farta. Estava acompanhada com mais duas crianças que iriam comer seus lanches naquele momento. Ela sentiu que podia compartilhar seu lanche, e com isso, por conta deste ato, a amizade que surgia ganhou perspectivas. Mais tarde as outras crianças reconheciam que ela era amável. Havia crianças que não tinham motivos para não gostar dela, mas não gostavam, mesmo assim ela sabia que não tinha que tratar como diferentes.

A partir da atitude tomada na infância, ela passou por vários momentos de desafio, desafio de caráter que fizeram diferença em suas relações. Fez diferença pra si mesma.

Cada parte do corpo, ao se olhar, lembrava-se do que se constituía, lembrava-se o porquê estava viva, por que se amava. Devido à visão que se tinha do mundo. A doçura, a delicadeza, a ternura, a compaixão. Tornaram-na uma pessoa amável e reconhecida por todos. Em cada estação do ano, era um ritual a ser feito, era um cuidado diferente que tinha com ela mesma, eram recordações, sonhos, desejos que a remodelavam sempre. Ela não precisava se equiparar a outras mulheres como um concurso de beleza. Pois o valor que se auto atribuía era alto demais para comparar beleza. Não fazia isso porque se achava por algum motivo superior, mas por conta de seu valor ela pode analisar qual era seu espaço, quais são as pessoas que lhe interessam, que tipo de trabalho podia desempenhar na sua vida.

Tinha muitos medos e duvidas, mas encontrava em cada ponto, um lugar de tranquilidade, equilíbrio e respeito próprio. Percebia que o desespero que a tomava na maioria das vezes era o mesmo que a colocava em perigo e logo percebia que se não podia alcançar um objetivo, fazia uma analise fina, tentando descobrir se havia algum erro por parte dela ou externo. Ao enxergar quer era um erro interno, ela se propunha a lapidar suas habilidades e mudar sua perspectiva. E enxergando que o erro era do exterior, não podia ir contra se não fosse ao seu alcance a mudança, lembrava-se que foi ensinada a paciência e a crença no que ainda há de vir: a esperança.


Todas as suas características psicológicas e seus momentos em que a definiam foram adereços e lapidações a sua beleza, ao seu reconhecimento de si - Meu Deus quantos percalços, quantas situações difíceis ela passou - Percebia que era muito especial para sofrer sem ao menos ter coragem. Outra exemplar característica era a coragem. Sempre uma tentativa de analise global das situações, mas tinha vezes que nem pensava, ia. Escutava a voz do seu coração.

Em um momento de sua vida conheceu a raiva, a inveja, o sabor da vingança e o ciúmes que corroi. Percebeu que esses são alguns elementos que compõe a infelicidade e a feiúra. Pois percebeu que esses sentimentos a punham em risco em todas as características que a constituía. Traziam sofrimento. Traziam um sentimento de perda, desamparo, ignorância, desafeto. Sentia que não era merecedora de tal prestigio. Quando aprendeu a abdicar de coisas ou sucesso que não podia alcançar, por ser mérito de outros também, deixou de nutrir esses sentimentos. Quando a chuva chegava, olhava as correntes de gotas e vento caindo e levando o quer que fosse pelas ruas, era como se banhasse de prata, se refrescasse. Sentia que a chuva tinha poderes terapêuticos, trazia tranquiliadade para as inquietudes. E quando os sentimentos ruins ainda apareciam, cada vez mais fortes, ela, cada vez mais sagaz, os controlava, os domava como filhotes de cachorro - morde, rasga, destrói, mas se bem disciplinados podem ser grandes aliados - Percebia que se podia compreender o porquê sentia todas aquelas coisas poderia voar dali, poderia dar vazão a suas paixões em outro espaço e tempo: tinha criatividade e era livre. Era livre para achar quaisquer razões para sua vida. Sentia-se merecedora da felicidade quando elas se cruzavam. Ela era feliz, por isso possuidora de tal beleza.